sábado, 11 de janeiro de 2014

«tenho medo, Avô!»


© bitri
(clicar na imagem para ampliar)



olá, A!
tudo bem contigo? espero que sim!
já há muito, muito tempo que não conversamos. portanto e desde já, recomendo-te vivamente que vás ao frigorífico aí "de casa" e te faças acompanhar de uma "geladinha" e de um pratinho do "marisco" preferido do "deusébio".
sabes como é... esta vida agitada, esta lufa-lufa diária para tentar (sobre)viver, faz com que, por vezes, me esqueça de manter o contacto (também) contigo. mas, também sabes que te tenho (e à Avó, claro!) sempre presente(s) no meu coração e no meu pensamento. e que tenho muitas, mas mesmo muitas saudades tuas (vossas). faze(i)s-me falta, muita falta...
por muito Amor que sinta pelos que me são mais queridos - e sinto-o, claro! -, há um pequeno (grande?) vazio no meu coração que fica difícil de preencher: é a tua (vossa) ausência no meu quotidiano e que, até à tua partida, tinha como um dado adquirido e nem sequer colocava a hipótese de poder ser de outra maneira.
já agora, diga-se de passagem que o teu bisneto, a cada dia que passa, está cada vez mais traquina. e reguila. e com uma covinha no queixo que me faz recordar não sei bem quem... :D acho que irias gostar de te amadurecer a seu lado, assim como eu estou a amar envelhecer junto dele.
mas, adiante, que "isto" está a ficar (demasiado) lamechas para o meu gosto.

provavelmente já deves saber que o Eusébio partiu para esse mundo melhor onde te encontras. aconteceu na madrugada deste Domingo que passou. provavelmente estarias a dormir, digo eu... diz que foi uma «paragem cardiorespiratória». paz à sua alma, claro!
sei bem como apreciavas as suas qualidades de futebolista, assim como também sei que, no teu pódio de craques que viste jogar «ao vivo e a cores», antes do "Pantera Negra", viriam sempre o Hernâni e o Pinga (exactamente por esta ordem). também sabes que, porque ao contrário de ti, nunca presenciei os dotes futebolísticos de «ambos os três», para mim, o melhor artista que já vi jogar e até à presente data, foi o Deco.
no fundo, fazemos parte de gerações diferentes de viver o nosso Amor comum, mas que estão intrinsecamente (inter)ligadas. aliás, considero que a minha nada seria se a que tu "pertences" não tivesse existido e persistido na vivência dos valores que nos caracterizam enquanto portistas e que são a nossa razão de ser - a que os modernaços lemas modernos «a vencer desde 1893» e «somos Porto!» só conseguem traduzir uma sua infinitésima parte...

como facilmente poderás imaginar, o País (literalmente) parou para assistir às exéquias ao 'king'. bem, foi mais a zona metropolitana da Capital do Império, mas sei que concordarás comigo se afirmar que vai dar igual...
ainda bem que, por um lado (e só por esse, acredita!), te poupaste ao espectáculo mediático em torno do seu desaparecimento, já que não irias conseguir controlar a tua raiva, o descontrolo emocional seria muito e provavelmente terias que comprar um novo televisor para a sala de jantar - o que convenhamos que seria uma aventura, tendo em linha de conta os cortes nas pensões que se verificam, para lá dos que por aí ainda hão-de vir (que serão bem mais e mais certos do que os «charters»)...
é que eu sei o quanto tu eras avesso aos canais de televisão por cabo e, como só manterias os generalistas, terias que "gramar" com o espectáculo maratonista das ditas exéquias em três deles - sendo que, no outro, verias os melhores momentos, a preto-e-branco, do futebolista em causa.
vê lá tu que actualmente os canais generalistas têm canais de informação próprios, dedicados a transmitirem notícias vinte e quatro horas diárias, sete dias por semana e que, mesmo assim, os primeiros "dedicaram-se" a reproduzir o que era transmitido pelos segundos (e vice-versa), sem quaisquer ângulos diferentes de se reportarem à mesma notícia...
(foi uma situação degradante, eu sei...)

não sei se e também sabes, mas poderás supô-lo:
o nosso clube de sempre e para todo o Sempre, não se fez representar ao seu mais alto nível dirigente, no funeral. desconheço a tua opinião sobre este assunto, mas conhecendo-te bem, presumo que apoiarias a decisão do nosso grande presidente.
é que tu e muitos como tu, preferem que, em dias como estes últimos, o protagonismo recaia em quem parte para um mundo melhor e não em quem por cá fica "para contar história". e tu e muitos como tu, teus contemporâneos de Portismo, estiveram em Torres Vedras, a 23 de Março de 1959, à espera que o sr. calabote terminasse aquela partida infindável e interminável na Capital do Império, e sofreram na pele (também no sentido literal da expressão) a «glória» dos adeptos do «clube do Regime», como lhe chamavas (já eu, desde 18 de Setembro de 1996, e com mais afinco desde 07 de Novembro de 2010, que prefiro o epíteto 5lb)...
ou seja: sabes bem o quanto aquela «gloriosa» massa adepta nos abomina e nos tem um asco e um ódio de morte - o que não é nenhuma mentira. vê lá tu que, num "programa televisivo" da estação oficial da agremiação em causa, (sim!, o 5lb possui um canal de televisão...), em directo, chegaram a desejar a morte ao nosso querido líder sem que alguém responsável tivesse tomado a atitude correcta: encerrar o dito "programa" (ou, pelo menos, cortar aquela emissão)...
os que o desejaram (e os correlegionários que lhes bateram palmas e louvaram tal atitude...) são os mesmos moralistas que agora se indignam com o facto de Jorge Nuno de Lima Pinto da Costa não ter comparecido (sequer!) na igreja. suponho que teria sido um espectáculo "lindo", de tão degradante e miserável que seria: um presidente de um clube a ser vaiado, insultado, achincalhado, odiado, num templo sagrado por aqueles que não deveriam (sequer!) ter tais pecados em pensamento, enquanto lá permanecessem. sim!, que nós sabemos como são os lampiões, e alguns deles (ou a sua esmagadora maioria), não se iriam conter de invectivar sobre quem mais odeiam...


bem, esta missiva já está a ficar um testament... um pouco longa demais, em contra-ciclo com o que tinha prometido que deixaria de ser a imagem de marca deste espaço de discussão pública, no decurso deste novo ano.

o que te quero transmitir, Avô, é que também sinto (muito) a tua falta para poder desabafar os meus receios contigo. tu  compreendias-me, sabias bem o que sentia. muitas vezes, antes mesmo de abrir a boca, já estavas a lançar um incentivo, numa frase sempre muito curta, mas igualmente muito certeira - assim como um golo do nosso bi-bota, um jogador da casa que sempre elogiaste, mesmo quando se "transferiu" para a Segunda Circular; nem aí ficaste "verde" de raiva, ao contrário de mim (que, juvenil, passei a vê-lo com outros olhos), numa lição de Portismo que não mais esqueço.

como sabes, este Domingo vamos jogar contra o nosso arqui-rival, em sua casa, na Capital do Império. ainda me recordo bem da última (e única) vez que, juntos, avô e neto, fomos visitar a luz (agora o nome do novo estádio é diferente, para nós: vai desde "salão de festas" até "cesta do pão". mas eu prefiro ex-estádio da Lucy). foi no decurso da época 1991/1992, no célebre 2-3. mais do que o jogo em si - e que jogaço que foi! -, do que também me recordo foi da viagem de comboio em direcção a Santa Apolónia e do muito que foi dito naquela viagem, sobretudo naqueles silêncios (muito) cúmplices.

mirava a paisagem, que fugia vagarosamente com o embalo da carruagem, com o cachecol sobre os joelhos, e tu ias (re)lendo o JN. perto de Aveiro (acho eu...), perguntaste-me: "do que tens medo?".
"do que possa acontecer, se perdermos. vai ficar mais difícil ganhar o campeonato... e vai ficar insuportável aturá-los, na escola...".
"porque achas que vamos perder?", atiraste.
"é no 'inferno da luz'A!! eles jogam em casa!".
"e desde quando é que o 'inferno', como dizes, se superioriza ao 'céu'?", remataste (para golo). e assim continuaste, em plena cabazada:
"não estejas com esse tipo de pensamentos derrotistas, meu filho. lembra-te do que já te contei muitas vezes: um dos méritos de Pinto da Costa é o de, junto com o malogrado Pedroto - que esteja em Paz -, ter derrubado o mito da 'travessia da ponte'. agora é tudo diferente, para melhor. os nossos já encaram com outra força, com outra garra e com outra vontade, este tipo de jogos - quando antes quase que se 'borravam' ainda no balneário. agora é difícil, muito difícil, começarmos a perder mal chegamos a Vila Nova de Gaia. agora, o que nos pode dar mais prazer, é chegarmos lá e encará-los de frente, olhos nos olhos, e jogar o que sabemos e como fazemos melhor: trocando a bolinha, sempre com o objectivo de sermos nós a marcar o primeiro golo e antes do que eles, e de só segurarmos o resultados se houver essa necessidade. vais ver que vamos lá para lhes darmos uma lição: de que a arrogância de um Passado «glorioso» a preto-e-branco não é nada contra a força da vontade do Presente, que se escreve a cores!".

mais palavras, menos palavrões e pontos e vírgulas, foi assim que me sossegaste e ao meu conturbado e perturbado espírito. com sucesso, como sabemos e viríamos a descobrir no regresso a casa - ambos num "sininho", com um sorriso largo, rasgado de orelha a orelha, e a não conseguir disfarçar tamanho contentamento - sobretudo quando entristecíamos quem nos perguntou por quantos é que a instituição tinha ganho. que gozo! que gozo! que gozo do car@**o!
sabes que guardo estas palavras para sempre. e essa forma única, muito tua, de sempre conseguires encontrar um factor positivo no meio da adversidade. os hiatos de onze e dezanove anos de jejum, que fazem parte da nossa história e que nos servem de exemplo e de força, certamente moldaram-te a maneira de viver o clube, tornando-te mais forte e mais capaz de encarar de frente aquelas adversidades - a ti e aos da tua geração (lá está, mais uma vez, a "tal" interligação geracional, que se (pres)sente na vivência do nosso clube).
lembrar-me-ei muito delas até Domingo, pelas 16h, como o estou a fazer agora. seja "preocupações Fonseca" (o nosso actual treinador) capaz de, no que a ele compete, também conseguir apaziguar o meu espírito mal o esférico comece a rolar sobre a relva. é que, como tão bem dizias, "rodriguinhos são um triste fado" e "para trás caga a burra".


um grande "até logo, Avô!", como me costumava despedir de ti e da Avó.
e muito obrigado! por me teres ouvido (e aturado)




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(sendo que, num blogue de 'um portista indefectível', obviamente que esta caixa é destinada preferencialmente a 'portistas dos quatro costados'. e até é certo que o "lápis", quando existe, é azul.)