quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

(in)decências



«

queremos um país decente!


Com a devida vénia, cito aqui uma frase escrita na última edição do jornal "EXPRESSO", por Henrique Monteiro, na crónica que publica na última página do semanário: 
« Ao preço a que temos pago esta crise não quero mais um país mixuruca (como dizem os brasileiros). Quero um país decente. Um país competente, com uma administração pública adequada às necessidades, sem 'boys' a cada esquina, sem corrupção, sem discursos inflamados e extremistas de reviralhismo de café. Quero um país europeu! »
É impossível não estar de acordo com "isto", dada a extensão gigante do que nos tem sido pedido.

Sabemos todos que o quotidiano dos portugueses é, hoje, o que há uns anos ninguém se atreveria a prever. É verdade que os mais realistas (então apelidados de "miserabilistas", para dizer o mínimo) foram falando dos erros de estratégia e de trajectória, que sucessivos (des)governos iam cometendo. Mas ninguém julgaria que pudéssemos chegar ao ponto em que estamos!
E em que ponto estamos? Estamos no ponto em que a palavra "decência", forte no conteúdo, saiu do dicionário, sendo substituída por outra, que serve para justificar uma coisa e o seu exacto oposto: a "inevitabilidade".
É em nome do
"Inevitável" que se atropelam direitos uns atrás dos outros. É em nome do 
"Inevitável" que jogamos um jogo em que as pessoas são meros factores de uma equação matemática em que, no fim do dia, o que verdadeiramente interessa é que as colunas do Excel batam certo. É em nome do "Inevitável" que e para regressar a Henrique Monteiro, descemos ao estatuto do «país mixuruca». Absolutamente mixuruca.

Sim!, porque só um país absolutamente «mixuruca» permite que os mais fracos, os que mais sofrem, os que pouco ou nada têm, possam ser ainda mais fracos e sofrerem ainda mais. O texto que sustenta a manchete da edição de Domingo do "JORNAL DE NOTÍCIAS" é o exemplo mais chocante dessa realidade. É difícil imaginar pior. O que a jornalista Inês Schreck escreveu não é um murro no nosso colectivo estômago: é um valente soco nas fundações de um país que abana e ameaça cair. É uma vergonha!

Cito-a: 
« Há cada vez mais doentes oncológicos em grandes dificuldades económicas. Não têm dinheiro nem para comer, pondo em risco a própria recuperação. Os pedidos de ajuda disparam. »
Estamos, portanto, a deixar morrer pessoas com cancro que não têm dinheiro para se alimentar, ou para pagar as consultas e os medicamentos de que necessitam.

Cito o presidente do Núcleo Regional do Norte da Liga Portuguesa Contra o Cancro: 
« Há famílias inteiras que, de um dia para o outro, ficam na miséria, porque o cancro atingiu o único elemento [do agregado familiar] que trabalhava. »

Cito o retrato dramático de uma dessas famílias: o pai está inválido e desempregado; a mãe tem um cancro raro e hereditário em estado avançado e duas filhas menores a seu cargo, sendo que uma delas também é doente oncológica; todos vivem agarrados a uma pensão que não chega aos 300 euros.

Cito, em conclusão, um país que se entretém com o «reviralhismo de café». Cito um país que deve envergonhar-se de si próprio. Um país que não é decente.

»

autor: Paulo Ferreira
fonte: Jornal de Notícias (2013-12-10)
psos negritosos itálicos e os sublinhados são da minha responsabilidade.


[ peço desculpa por este (im)pertinente aparte no quotidiano azul-e-branco deste espaço de opinião pública  (excepto para os teimosos dos lampiões que persistem em gravitar onde não são minimamente desejados), mas como reza o adágio popular, "quem não se sente não é filho de boa gente". aquele conjunto das acções de escrita (nem sempre) praticadas todos os dias e que constituem uma rotina inclusive para quem o visita por Bem, segue dentro de momentos. ]

"disse!"



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(sendo que, num blogue de 'um portista indefectível', obviamente que esta caixa é destinada preferencialmente a 'portistas dos quatro costados'. e até é certo que o "lápis", quando existe, é azul.)