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cidade de carácter
Quem conhece a cidade do Porto, sabe que está diante de uma com um grande, um enorme carácter.
Sampaio Bruno caracterizou bem esta marca tipicamente portuense, quando afirmou «no Porto, o pão tem que ser laboriosamente conquistado dos lucros do comércio», numa referência, àquela época, às características mais marcantes da cidade: o trabalho e o negócio daquele a que se chamava «o burguês do Porto», homem de negócios honrado e trabalhador.
«Cidade do entardecer e presa nocturna», como lhe chama(va) Agustina, o Porto é hoje uma cidade encalhada no tempo, «como a quilha de um barco imenso, naufragado» - a imagem com que esta escritora definiu a Cadeia da Relação, um edifício de matriz filipina, vigilante no vértice triangular daquilo que foi a última judiaria desta nossa cidade.
carácter no sítio e nas pessoas
No Porto, há carácter no sítio e nas pessoas, na força do património histórico e arquitectónico, e na nostalgia de um tempo passado, que parece não sermos, capazes de balançar para o Futuro.
O Porto é, a vários títulos, uma cidade encalhada no Tempo que corre célere a seu lado; mas parece não ser capaz de a despertar desta agoniante letargia. Dela, já se pode dizer que «continuou o seu labor de capital telúrica de Portugal», como afirmou Miguel Torga, pois embora continue a ser «a velha e livre cidade do Porto», a sua voz mal se faz ouvir e «quando espirra [se é que ainda o é capaz, já não] constipa Lisboa».
Toda esta retórica para afirmar, com tristeza e muito pessimismo, que o Porto - a sua voz e a sua força de carácter - já não conta(m) ou não vale(m) no todo nacional. Evidentemente que não é esse o sentido desta crónica (ou não o deveria ser).
A cidade do Porto continua a ser «um caso de sobrevivência histórica», como o disse João Chagas. «Pelo seu carácter e pelos seus costumes, resume Portugal na velha feição municipalista»; e é nessa matriz definidora e clarificadora que deve procurar o seu rumo futuro, não num municipalismo estático e isolado no bastião das burocracias e nos pequenos interesses de partido ou de facção, mas num rasgado e moderno municipalismo metropolitano e regional (porque abrangente e justamente mais solidário) - definidor e fortalecedor de um território de escala e com potencialidades competitivas e sem perda de carácter e de identidade.
ultrapassar indecisões
A matriz que a cidade do Porto construiu ao longo dos séculos, com coragem e muito sacrifício, e agora, nesta encruzilhada de indecisão, deve ser capaz de ultrapassar e de reafirmar os seus princípios identitários, porque eles são a alma, a génese e o suporte do seu caminho futuro.
Se ainda há quem acredite que o Futuro se constrói no vértice das convicções e do carácter, então a cidade do Porto terá ai um lugar, sem dúvida!»
autor: Gomes Fernandes
fonte: Jornal de Notícias
(edição impressa, em 2011-10-10, pp. 24-25)
ps: os negritos, os sublinhados, as "aspas" e os itálicos são da minha responsabilidade.
no seguimento deste (enorme) artigo de opinião, recomendo a leitura:
1) do artigo de opinião "Ribeira", da autoria de Germado Silva;
2) do artigo "circular é viver ou morrer?" - a propósito de como se conduz na VCI -, da autoria de Jorge Vilas;
3) da notícia do abandono a que está submetido todo um quarteirão em plena Baixa;
4) da notícia "deserto frio de almas vagabundas", datado de Dezembro de 2010 mas bastante actual.
beijinhos e abraços (com muito carácter tripeiro)!
e MUITO OBRIGADO! pela tua visita ;)
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(sendo que, num blogue de 'um portista indefectível', obviamente que esta caixa é destinada preferencialmente a 'portistas dos quatro costados'. e até é certo que o "lápis", quando existe, é azul.)